Opinião
Imprensa pode ser punida por entrevista com indícios de falsidade
Por Vilson Farias
Doutor em Direito Penal, Civil e Escritor
Pedro Postal
Advogado
Em uma decisão proferida no final de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) delineou os parâmetros nos quais veículos jornalísticos podem ser responsabilizados por declarações de entrevistados. A deliberação envolve o exame do Tema de Repercussão Geral nº 995, que se debruça sobre a possibilidade de responsabilização civil de meios de comunicação pela publicação de textos jornalísticos nos quais entrevistados imputam atos ilícitos a terceiros.
No âmbito desta decisão, a tese estabelecida pelo Ministro Alexandre de Moraes assume uma importância central. O magistrado delineia que: "Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios".
Embora possa parecer trazer aspectos positivos, o desfecho da decisão do STF é desanimador, gerando confusões substanciais. Em outras palavras, há uma abertura para a interpretação de que a responsabilização da imprensa não se restringe apenas a casos de efetivo dolo ou má-fé, mas também pode ocorrer em situações de ausência de "dever de cuidado", conforme definido pela Suprema Corte, o que se traduz em negligência.
Essa perspectiva ampliada de responsabilidade, incluindo a negligência no "dever de cuidado", introduz um elemento adicional de complexidade e incerteza nas relações entre veículos jornalísticos e a esfera legal. Nesse cenário, a imprensa se encontra diante do desafio de aprimorar seus processos de verificação e diligência na divulgação de informações, a fim de evitar possíveis implicações legais.
Além disso, a mesma expressão pode ser interpretada como uma redundância ao impor exigências que, em teoria, já são inerentes à prática jornalística. Veículos de comunicação e jornalistas, por natureza, têm o dever intrínseco de realizar uma apuração cuidadosa antes de publicar informações. No entanto, é crucial distinguir entre a imposição de padrões éticos já internalizados na profissão e a criação de normas que possam, inadvertidamente, cercear a liberdade de imprensa.
Ao refletirmos sobre as implicações práticas dessa decisão, é sensato considerar a perspectiva histórica do cerceamento da imprensa em nosso País. Historicamente, o Brasil já testemunhou episódios em que a liberdade de expressão e o papel crítico da imprensa foram ameaçados por ações governamentais ou pressões externas.
Outro aspecto crucial a ser considerado é que o caso que desencadeou esse julgamento foi classificado como de repercussão geral. Essa categorização, do ponto de vista da sistemática jurídica, abre espaço para interpretações que podem servir de base para entendimentos divergentes e potencialmente desencadear pedidos de censura inconstitucionais. Essa ambiguidade na redação da decisão pode gerar insegurança jurídica e, consequentemente, abrir espaço para abusos que vão contra princípios fundamentais da liberdade de imprensa.
Diante desse cenário, torna-se imperativo repudiar qualquer possibilidade de afronta à livre circulação de ideias, um pilar fundamental para o debate saudável e democrático. Devemos assegurar que as medidas legais não se transformem inadvertidamente em ferramentas de restrição, mas, ao contrário, fortaleçam os alicerces de uma imprensa livre e responsável.
Finalmente diríamos que esta decisão (por maioria do STF) vai na contramão da liberdade de jornalística, e como declarou o Ministro Marco Aurélio (aposentado) "O Judiciário não pode implementar censura prévia".
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